Nos primórdios da civilização humana os indivíduos prestavam atenção aos sonhos e se questionavam acerca de sua natureza, funcionamento, objetivo etc., por lhes despertar no mínimo uma certa curiosidade diante do grande mistério dos conteúdos da produção onírica.
Havia anseio pela compreensão de suas mensagens.
Encontramos traços de atividade interpretativa dos sonhos e fantasias na arqueologia (pinturas ou desenhos encontrados em construções antigas) e nos escritos bíblicos, por exemplo; indicando, assim, que civilizações antigas levavam em conta a importância da interpretação dos grandes sonhos, sobretudo quando advindos de personalidades importantes da comunidade (ex. chefes de tribos, faraós, etc.).
Segundo Sanford (1988, p. 12), os povos antigos como egípcios, babilônios, gregos e romanos todos acreditavam que os sonhos eram importantes uma vez que através deles eram transmitidas orientações do mundo espiritual.
Na modernidade, infelizmente, essa valorização da atividade onírica perdeu espaço na mentalidade do homem moderno, que é unilateralmente racional e essencialmente materialista. Assim, nessa perspectiva, os sonhos são destituídos de qualquer sentido!
Nesse ponto, Sanford denuncia:
“A crença dos antigos nos sonhos punha-os em contato com as fontes de sua vida espiritual, ao passo que, a este respeito, nossa cultura se encontra muito empobrecida e um abismo profundo surgiu entre nossa vida consciente e a vida de nossas almas. Em nossos dias encontram-se muitas pessoas que estão perdidas, separadas de sua própria vida interior. Apesar de todo bem-estar material, somos um povo culturalmente carente e as energias do homem interior, como que indignadas por serem rejeitadas, vingam-se de nós nos crimes, nas guerras e nos desvios psicológicos característicos de nosso tempo.” (1988, p. 13/14)
Todavia, atualmente vem ocorrendo uma nova mudança desde o século XX, quando o mecanismo do sono e os sonhos tornam-se novamente objeto de interesse em investigações científicas.
No campo da saúde mental, Sigmund Freud e Carl Gustav Jung foram pioneiros na exploração do significado psicológico e da função dos sonhos, desenvolvendo estudos e pesquisas de grande importância até hoje para o que conhecemos a esse respeito.
Na teoria desenvolvida por Jung – contrariamente a de Freud segundo a qual no sonho há um conteúdo manifesto e outro latente –, os sonhos representam as forças interiores do homem, seus conteúdos psíquicos, sem tendência a disfarçar conteúdos indesejados ou renegados pela consciência (ego). Além disso, para Jung os sonhos também possuem um papel importante no desenvolvimento psicológico do indivíduo, ou seja, tem uma função teleológica, na medida em que agem como potenciais elementos da função transcendente. Por exemplo, através da adequada análise de um sonho um símbolo pode se fazer presente realizando a sua função transformadora na vida do paciente.
Portanto, seguindo a linha da Psicologia Analítica, nós consideramos que os sonhos e as fantasias são formas naturais de manifestação do inconsciente, como mensagens oriundas dessa dimensão profunda da psique; razão pela qual a análise dos sonhos e fantasias dos pacientes é uma ferramenta-chave no processo de psicoterapia.
Vale destacar, ainda, a seguinte frase, na qual Sanford discorre perfeitamente bem acerca dos sonhos:
“Resumindo, eis uma teoria básica sobre os sonhos: originam-se em outra dimensão de nossa personalidade, a qual, pelo fato de não termos consciência da mesma, é chamada de inconsciente. O inconsciente nos fala através de linguagem simbólica. E se quisermos entender seus “segredos”, temos de aprender a ler a mesma. Por trás dos sonhos, há um objetivo que é o alargamento de nossa personalidade e o aumento da meta de nossa vida, e quando começamos a entender o significado de nossos sonhos pomo-nos em contato com propósitos mais amplos que atuam em nosso interesse.” (1988, p. 29)
Há também alguns sonhos que são considerados numinosos, e quem passa por essa experiência são tocadas por uma transformação que pode se dar instantaneamente ou manterem uma sensação de algo extraordinário por um bom tempo: são aqueles sonhos que se originam numa dimensão ainda mais profunda da psique, isto é, provêm do inconsciente coletivo.
Obviamente, a numinosidade desses sonhos derivam dos arquétipos, que são em si numinosos! Quanto a estes sonhos arquetípicos, Sanford orienta no sentido da necessidade de o analista/psicoterapeuta estudar e se aprofundar não somente nas ciências como também na mitologia, religião comparada, poesia e literatura, a fim de entender corretamente o seu significado através da amplificação simbólica.
O uso dos sonhos na psicoterapia já é bastante difundido e não há dúvidas quanto à sua importância nas abordagens da chamada psicologia profunda, considerando a sua análise uma técnica essencial para a compreensão do que se passa na psique dos pacientes em tratamento. Inclusive, muitas vezes a análise dos sonhos dá um direcionamento mais adequando ao próprio tratamento.
Assinalando que na prática clínica, o trabalho com os sonhos e fantasias não se dá pela mera interpretação literal do conteúdo onírico, mas sim por meio da análise das associações simbólicas que vão sendo feitas no momento da sessão, fornecendo significado aos seus conteúdos. A compreensão simbólica é, portanto, fundamental!
Para finalizar, aponto as seguintes palavras de Sanford, com as quais dá algumas dicas de como realizar o trabalho com o sonho:
“O processo de associação é uma experiência viva que envolve tanto o cliente como o analista na exploração de um sonho. Assemelha-se a ‘passear em volta’ do sonho, explorando-o, tratando-o como se fora experiência viva, discutindo-o como fazemos quando contamos alguma aventura pela qual tenhamos passado.” (1988, p. 65)
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