Na teoria da psicologia analítica clássica abordada por Marie-Louise Von Franz (1992), o puer aeternus retrata o símbolo do deus-criança, significando o processo de vida-morte- ressurreição e a “juventude eterna”; sendo, ainda, utilizada para “indicar certo tipo de jovem que tem um complexo materno fora do comum e que, portanto, comporta-se de certas maneiras típicas”, tais como adolescência prolongada na vida adulta, dependência da mãe e a projeção de sua figura nas demais mulheres, tendências donjuanescas, dificuldades de adaptação social ou mesmo alheamento, individualismo e arrogância diante dos outros, síndrome do salvador, tendência ao risco, à fantasia, à irresponsabilidade ou, ainda, à indisciplina, atração pela morte etc.
Em contraposição às características positivas do arquétipo (ex.: espontaneidade, alegria, fantasia produtiva e criatividade, sociabilidade etc.), todas aquelas tendências destrutivas acarretam uma ausência de crescimento na personalidade, segundo a autora. Isto porque o jovem ou adolescente, permanecendo sob o jugo estagnante do complexo materno, não consegue o desenvolvimento normal da psique, o que o impede de seguir adiante para a vida adulta (como, por exemplo, adentrando na jornada do herói arquetípico). Em consequência, essa situação psíquica pode levar a psicopatologias em decorrência de tédio, depressão, mau humor, sensação de vazio ou de insatisfação consigo e com a vida (Franz, 1992).
Todavia, um atributo importante para se ter em mente na psicoterapia ou na análise junguiana é o fato de se tratar, em última instância, de um arquétipo duplo, ou seja, o arquétipo puer-senex, em polaridade, tendo em vista que seu funcionamento na psique não ocorre de modo isolado – puer ou senex – mas sim de forma dinâmica, havendo uma correlação entre essas duas estruturas arquetípicas, que podem se alternar ao longo da vida em termos de postura diante das experiências.
Essa polaridade e inseparabilidade aparecem mais especificamente na teoria da psicologia analítica arquetípica, representada por James Hillman, em cujas palavras: “O senex, assim como o puer, pode aparecer em muitos estágios e fases e influenciar qualquer complexo” (Hillman, 2008, p. 22). Com isso o autor quer dizer que existe uma divisão arquetípica na psique quanto a esse fenômeno dual, vivenciado historicamente no tempo e na experiência de vida – numa sequência natural ou cíclica, ou mediante certa liberdade entre os lados da estrutura arquetípica (polaridade).
Desse modo, podemos dizer que a dinâmica do arquétipo puer-senex refere-se a esse eterno movimento (independentemente do estágio de vida) que se dá simbolicamente entre: nascer/florescer – envelhecer/amadurecer, jovem – velho, criatividade/espontaneidade – experiência/sabedoria, criança/príncipe – pai/rei etc. Todavia, expressada de forma negativa, essas energias podem significar: irresponsabilidade juvenil x rigidez inflexível, fantasia e imaginação infrutíferas e desordem x objetividade e ordem excessiva etc.
Ocorre que, em havendo inicialmente uma exacerbação para um dos polos (bloqueando a tensão ou a dinâmica necessária ao equilíbrio), a exemplo do senex em excesso, o resultado é uma desordem inicial no arquétipo único (puer-senex) que, como “base arquetípica do ego” (assim como também o é de outros complexos), irá em consequência distorcer ou prejudicar o desenvolvimento egóico da personalidade, sobretudo em razão da unilateralidade resultante – consciência do ego/racionalidade x inconsciente/vida instintiva de onde brota “o novo”, o lado puer da personalidade.
E, assim, essa cisão fica inalterável pela vontade do ego, que não tem capacidade por si só de fazer modificações na profunda base arquetípica já por demais distorcida. Isso fica bem esclarecido nas seguintes palavras de Hillman:
Devemos ainda concluir que o senex negativo é o senex separado de seu próprio aspecto puer. Ele perdeu sua “criança”. O cerne arquetípico do complexo, agora cindido, perde sua tensão inerente, sua ambivalência e está simplesmente morto em meio a seu brilho que é seu próprio eclipse, como negativo Sol Niger. Sem o entusiasmo e o eros do filho, a autoridade perde seu idealismo. (...) (HILLMAN, 2008, p. 33)
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