No livro A Passagem do Meio, James Hollis aborda a temática central da psicologia analítica que é a experiência de desenvolvimento psicológico denominado por Jung de Individuação.
Numa visão mais clássica, o autor considera esse processo de crescimento pessoal como um evento de grande importância na passagem da primeira para a segunda etapa da vida (meia-idade), daí porque denomina de “personalidade provisória” a que antecede a personalidade individuada, ou seja, realizada em sua integração.
A passagem do meio – também chamada de “crise da meia-idade” – seria, então, uma espécie de transição para uma etapa da vida mais verdadeira (na concepção do eu) e plena de significado. Não obstante, o autor aponta que se trata mais de uma experiência psicológica que de um evento cronológico.
Refere-se a um processo doloroso de revisão do eu, que nem todos conseguem realizar, uma vez que o crescimento pessoal depende da capacidade do indivíduo entrar em contato com seu muito interior e de se responsabilizar inteiramente por sua vida, exigindo, portanto, bastante coragem e disposição para enfrentar as transformações necessárias.
Para tanto, torna-se indispensável abandonar de vez as estratégias de autoproteção desenvolvidas na infância, para lidar com os traumas e feridas infantis que acarretam uma visão parcial da vida e uma “defeituosa noção do eu”, e responder ao chamado da crise, que é um apelo para a transição do “falso eu para a autenticidade”.
Hollis afirma, ainda, que essa transição surge como uma intimação interior (ou coerção interna) oriunda do Self, que causa bastante ansiedade no indivíduo, ou seja, acarreta um verdadeiro colapso psicológico, já que é sentida como um processo de morte e renascimento da personalidade, ou mesmo como uma “pressão tectônica que vem de baixo para cima” (isto é, da camada inconsciente) exigindo inexoravelmente a atenção do ego, uma vez que se apresenta à consciência através de sintomas, tais como depressão, comportamento destrutivo, inconstância nas relações etc., que servem de “avisos” e que, quando negligenciados, acarretam distúrbios psíquicos, como as neuroses.
Daí porque, conforme aponta o autor:
"A partir do ponto de vista terapêutico, os sintomas devem ser bem recebidos, pois eles não apenas servem de flechas que apontam para a ferida, como também exigem uma psique saudável e auto-reguladora em funcionamento". (p. 23)
Essa auto-regulação da psique diz respeito ao Self, que como centro organizador da totalidade psíquica, está sempre orientando a personalidade rumo à integração e unidade (individuação). Tal concepção do autor é coerente com o pensamento de Jung acerca do processo de individuação, explanado em O Homem e seus Símbolos:
"O verdadeiro processo de individuação – isto é, a harmonização do consciente com o nosso próprio centro interior (o núcleo psíquico) ou self – em geral começa infligindo uma lesão à personalidade, acompanhada do consequente sofrimento. Esse choque inicial é uma espécie de “apelo”, apesar de nem sempre ser reconhecido como tal. Ao contrário, o ego sente-se tolhido nas suas vontades ou desejos e geralmente projeta esta frustração sobre qualquer objeto exterior. Isto é, o ego passa a acusar Deus, ou a situação econômica, ou o chefe, ou o cônjuge como responsáveis por esta frustração." (p. 166)
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