O estudo dos quatro elementos (terra, água, ar e fogo) está presente em numerosos campos do saber, sobretudo nas chamadas ciências arcanas e em algumas linhas filosóficas (astrologia, alquimia, teosofia etc), que buscavam entender a correlação de tais elementos no funcionamento do macro – microcosmo, bem como entender a interligação entre matéria e energia, entre a natureza e o espírito.
De acordo com a simbologia extraída dessas abordagens, o elemento ÁGUA (numa visão energética e não meramente material) é associado ao campo das emoções e sentimentos; e, juntamente com o elemento terra, é considerado uma energia passiva, receptiva e de caráter yin, manifestando-se de modo inconsciente e instintivo.
A água também está associada ao inconsciente e aos anseios mais profundos da alma, cuja percepção vamos adquirindo aos poucos no curso do processo evolutivo, sendo a conscientização desses anseios – até então inconscientes – um fator importante para a aquisição de um “contentamento interior cada vez maior” (ARROYO, 2013, p. 153).
Sabe-se que C. G. Jung estendeu também sua atenção à alquimia medieval, dedicando-se fortemente aos estudos e pesquisas nesse campo após ter percebido que havia certas ligações, a priori incompreensíveis, entre alguns símbolos presentes nos sonhos de seus pacientes e temáticas encontradas nos manuscritos alquímicos (FRANZ, 1995).
Assim, Jung introduziu o entendimento acerca das antigas operações alquímicas à análise das mutações que acontecem no curso do processo de individuação, encontrando naquelas um simbolismo capaz de explicar e até mesmo facilitar tais transformações.
Os quatro elementos também são tema-chave nos estudos alquímicos, sendo considerados elementos perecíveis formadores do universo, vinculados por meio de um elemento principal não perecível, a quintessência (função transcendente). A alquimia possui, portanto, como principal objetivo (meta) a realização de um trabalho considerado sagrado (opus), cuja finalidade é a criação de uma substância transcendente e miraculosa, qual seja, a pedra filosofal (também chamada de elixir da longa vida) ou, ainda, o ouro filosofal, mediante a manipulação da prima materia que vai sendo feita em etapas bem definidas (as operações alquímicas, conforme acima mencionadas). É considerada a arte da transformação (HILLMAN, 2011, p. 7).
Expondo as fases do processo alquímico, em Psicologia e Alquimia (§§ 333), Jung aponta que “a alquimia descreve um processo de transformação química e dá inúmeras instruções para a sua realização” e apresenta os quatro estágios do referido processo, que estavam associados à quaternidade dos elementos e às quatro cores, segundo a tetrameria original da filosofia alquímica (melanosis/enegrecimento, leukosis/embranquecimento, xanthosis/amarelecimento e iosis/enrubescimento).
Adiante, Jung esclarece que, não-obstante a tetrameria original levasse em conta os quatro elementos (terra, água, ar e fogo) e as quatro qualidades (quente, frio, seco e úmido), apenas três cores permaneceram sendo consideradas no processo alquímico: preto, branco e vermelho, associados, respectivamente, aos estágios nigredo, albedo e rubedo (JUNG, 2021, p. 246).
Na obra acima citada, a importância do elemento ÁGUA (ou água “filosófica”) no processo alquímico foi descrito por Jung como sendo a própria prima matéria e também o seu solvente, nos seguintes termos:
Como a “prima matéria”, a água tem mil nomes; diz-se mesmo que ela é o material original da pedra. Apesar disto, por outro lado se afirma que a água é extraída da pedra ou da “prima materia”, como sua alma vivificadora (anima). (...) Esta consideração torna uma coisa evidente: a água filosófica é a pedra, ou mesmo a “prima materia”; mas ao mesmo tempo é o seu solvente (...). (JUNG, 2021, p. 249-251)
Destarte, quanto às operações básicas da alquimia (solutio, calcinatio, coagulatio e sublimatio), o elemento ÁGUA está associado à SOLUTIO, cujo agente é o mercúrio; procedimento no qual se transforma um conteúdo (material ou psíquico) sólido em líquido, ou seja, promove o seu retorno à prima materia. Aqui, portanto, a experiência é de dissolução, ou aniquilamento, retorno à origem, transformação de uma forma em outra nova que advém do processo alquímico. Simbolicamente, temos a morte (dissolução) seguida pelo renascimento (ressurgimento em uma nova forma), o qual decorre das operações seguintes (calcinatio e coagulatio).
Para Hillman, a solutio “é definida como a dissolução de uma matéria-prima na água, de acordo com a conhecida máxima: ‘não realizes nenhuma operação até que tudo tenha se tornado água’” (2011, p. 378). Em seguida, o autor complementa:
Ou seja, até que tudo tenha sido permeado de emoção, até que os humores permeiem todas as partes, até que o que quer que seja a matéria que estava solidamente fixa num diagnostico definido perca sua definição segura e desmanche-se em indiscriminada fluidez. Ao invés de esparrinhar em ondas, o fluxo das emoções estabiliza-se e a pedra é uniforme inteiramente, sem compartimentos, sem divisões, sem oposições internas. (HILLMAN, 2011, p. 378)
Assim, em termos químicos, a operação SOLUTIO é responsável por transformar uma substância sólida em líquido, ou seja, por meio da solutio a matéria que se encontra em estado diferenciado volta ao seu estado de origem, indiferenciado, uno ao Todo universal. Em outras palavras, ocorre nessa operação uma experiência de retorno à prima matéria. O agente (metal) que promove tal dissolução é o mercúrio, conforme já mencionado.
Ainda segundo Hillman, a operação alquímica da solutio não implica numa solução simplificada dos problemas, mas sim demanda, primeiramente, que haja uma afetação prolongada da matéria por meio do sal, o qual irá promover uma estabilização ao processo (HILLMAN, 2011, p. 104). Vejamos como o autor esclarece tal operação em termos psicológicos:
Quando paramos para pensar e refletir, estamos estabilizando e adicionando sal à solução de forma a torná-la uma solução genuína. Os problemas parecem não ir embora até que primeiro eles tenham sido inteiramente recebidos. A questão aqui é a capacidade de internalizar, de admitir e receber um problema em nossa natureza mais íntima como nossa natureza íntima. Isso seria salgá-lo. Um problema encontra sua solução somente quando ele é adequadamente salgado, pois aí ele nos toca pessoalmente, penetrando naquele ponto em que podemos dizer: “Fiat mihi; tudo bem; eu admito, rendo-me; é realmente um problema meu; tem que ser”. O gosto dessa experiência é amargo, humilha e dura – uma solução durável. (HILLMAN, 2011, p. 104-105)
Outro paralelo que pode ser feito é com a imagem arquetípica do incesto, entendido por Jung como o retorno à mãe primordial, momento no qual a libido do indivíduo regride buscado sua fonte. Ao descrever certos ritos primitivos de aborígenes, Jung assim esclarece acerca dessa temática:
A retroidentificação com os ancestrais humanos e animais significa, no plano psicológico, uma integração do inconsciente, um verdadeiro banho de renovação na fonte da vida, onde se é novamente peixe, isto é, inconsciente, como no sono, na embriaguez e na morte; daí o sono de incubação, a consagração orgiástica dionisíaca e a morte ritualística na iniciação. Tais procedimentos realizam-se sempre no lugar sagrado. Podemos transpor facilmente estas ideias para o concretismo freudiano: o temenos seria o útero materno, e o rito, uma regressão ao incesto. No entanto, neste caso, trata-se de equívocos de neuróticos, os quais permaneceram parcialmente infantis. Ignoram que essas práticas foram exercidas pelos adultos desde os primórdios, sendo portanto impossível explicá-las como simples regressões ao estágio infantil. Caso contrário, as mais altas conquistas da humanidade não significariam mais do que desejos infantis pervertidos, e a expressão “infantil” perderia a sua razão de ser. (JUNG, 2021, p. 141-144)
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