top of page
Buscar
  • Foto do escritorKahlinne Rocha Brandão

Símbolos e Criatividade

Atualizado: 14 de fev. de 2023



Em se tratando de símbolos, podemos assinalar primeiramente que, de acordo com sua etimologia (symbolon) referem-se a uma reunião ou amontoado de ideias, pensamentos e experiências que partem de uma realidade “invisível”, isto é, inconsciente, a fim de explicar o mundo perceptivo ou realidade visível.

De modo que, na teoria junguiana, além do aspecto superficial de pronto demonstrado pelos símbolos, eles também indicam aspectos mais sutis e profundos, que podem estar ainda ignorados ou inconscientes.

Em O Homem e seus Símbolos, Jung pontua o seguinte, demonstrando seu entendimento acerca do significado mais profundo que os símbolos contêm:

O que chamamos símbolo é um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida diária, embora possua conotações especiais além do seu significado evidente e convencional. Implica alguma coisa vaga, desconhecida ou oculta para nós. (JUNG, 1993, p. 20)

Ademais, para Jung, a natureza e a cultura fazem parte de um mesmo processo de formação e evolução da consciência humana, não havendo que se opor uma à outra, haja vista que a cultura decorre da capacidade de o homem seguir sempre criando análogos das atividades instintivas mediante a criação de símbolos, assim como ocorre nas religiões, por exemplo.

Desse modo, podemos dizer que os símbolos canalizam a energia psíquica para novas atividades tornando possível o percurso evolutivo da natureza (instintos) à cultura, bem como ao desenvolvimento mental e espiritual de ser humano.

Nas palavras de Jung (2021, §17), “O segredo do desenvolvimento cultural é a mobilidade e a capacidade de deslocamento da energia psíquica”. Assim, podemos concluir que esse deslocamento da energia psíquica se dá mediante a criação de símbolos pela psique humana.

Um outro aspecto importante referente aos símbolos é que não podem ser produzindo intencionalmente pelo ser humano, ou seja, pela sua vontade consciente. Para Jung não se pode inventar símbolos, tendo em vista que são produzidos ou criados espontaneamente através de processos inconscientes.

Em outras palavras, os símbolos não são produzidos por vontade do ego, mas sim são expressões de instâncias mais profundas, inconscientes. Tal como ocorre na simbologia onírica que expressa conteúdos a princípio incognoscíveis, mas que se revelam como mensagens importantes e compensatórias para o equilíbrio da consciência, quando esta se mantém demasiadamente unilateral.

Por último, podemos ainda assinalar, como aspecto dos símbolos, o fato de que possuem um duplo sentido; pois, diferentemente de signos – que apontam exatamente o que querem significar –, os símbolos encobrem ou escondem o seu significado, ao mesmo tempo que o revelam ou manifestam, nunca esgotando o seu conteúdo significante. Além do que, também se tratam de reminiscências ou memórias, posto que refletem o que a humanidade já vivenciou em termos de experiência arquetípica (coletiva), e assim sempre será.

Os símbolos, portanto, expressam o passado e o futuro, sem jamais serem definidos de forma exaustiva ou mesmo com precisão, tendo sempre um potencial conteúdo oculto ou que pode se revelar diferentemente mais adiante no tempo. É assim que, segundo Jung, nós podemos nos ocupar diversas vezes de um mesmo símbolo e encontrar nele novos significados através de interpretações mais profundas, tal como acontece na análise de sonhos e de fantasias.

Vale, ainda, frisar que, segundo Jung (1993, p. 55), os sonhos constituem a fonte principal de todo o nosso conhecimento a respeito do simbolismo, uma vez que nos sonhos os símbolos surgem espontaneamente. Razão pela qual a análise dos sonhos (e também das fantasias) faz parte constante da prática clínica junguiana, porquanto através da simbologia presente nos sonhos e fantasias dos pacientes, e as imagens arquetípicas subjacentes, nós podemos compreender suas aflições e tendências inconscientes.

De outro giro, na obra Símbolos da Transformação (2005, §11), Jung – discorrendo acerca da natureza simbólica do sonho – apresenta a questão: “Por que os sonhos são simbólicos? Ou melhor, de onde vem esta capacidade de apresentação simbólica, da qual aparentemente nada percebemos em nosso pensar consciente?”. Tal questionamento podemos estender à capacidade de simbolização também na criatividade humana de um modo geral.

A criatividade se manifesta externamente como um ato consciente do ser humano, ou seja, mediante a consciência do ego (vontade); todavia, para a teoria junguiana, a espontaneidade criativa advém do inconsciente. O inconsciente é a origem de todo ato criativo. Isto porque a energia criativa (como manifestação da energia psíquica) se origina nas profundezas da alma, ou seja, na reconexão com o Self (instância mais profunda do inconsciente coletivo, em ligação com o divino).

Daí a importância da função transcendente como ponte de ligação (reconexão) entre as instâncias consciente e inconsciente, realizada pelo processo de individuação.

Ademais, como já explanado em tópicos acima, os conteúdos inconscientes se expressam por meio de símbolos (imagens arquetípicas simbólicas), do que podemos concluir que a criatividade é em si uma manifestação simbólica daquilo que busca expressar. Percebemos que os grandes artistas, por exemplo, ao criarem suas obras acabam por também criarem símbolos que se perpetuam em nossa cultura transmitindo alguma mensagem, muitas vezes explicando o pensamento ou a cultura da época.

Muito presente também na arte religiosa. Assim, ser criativo é deixar fluir/surgir de dentro de si algo que se manifesta por imagens simbólicas, em outras palavras, assim como os símbolos “são produtos naturais e espontâneos” (Jung, 1993, p. 55), a criatividade de modo geral é um processo espontâneo, no qual a função psíquica da imaginação se expressa, transmitindo uma mensagem, ou simplesmente revelando a si mesma.

Ainda em Símbolos da Transformação, Jung esclarece acerca dos dois tipos de pensamento – o pensamento dirigido (adaptado, racional e consciente) e o pensamento-fantasia (subjetivo, irracional e inconsciente), e mais adiante pontua (2005, §39): “Pelo pensamento-fantasia se faz a ligação do pensamento dirigido com as ‘camadas’ mais antigas do espírito humano, que há muito se encontram abaixo do limiar do consciente”. Aqui, mais uma vez fica evidente que o processo criativo – que se manifeste na produção artística ou nos sonhos e fantasias – advém da camada inconsciente da psique humana, ainda que se utilizando da nossa instância consciente para se expressar no que chamamos de realidade externa.

De tudo o que foi exposto, fica evidente a intrínseca relação que existe entre símbolos e criatividade, sendo a criatividade o ato de dar expressão a conteúdos simbólicos oriundos do inconsciente, seja através da arte ou através dos sonhos e fantasias, dos mitos, lendas e contos de fada.

Referência:
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus Símbolos. 12. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
JUNG, Carl Gustav. Símbolos da Transformação. 9. ed., 15ª reimpressão. Petrópolis: Vozes, 2021.
STEIN, Murray. Jung: o mapa da alma. 10. ed. Aparecida: Ideias & Letras, 2005.
Texto extraído de trabalho realizado pela autora no curso de pós-graduação em Psicologia Junguiana.

30 visualizações0 comentário

Σχόλια


bottom of page